domingo, janeiro 29, 2012

STOP ACTA

@Gui Castro Felga

Se quiser assinar a petição contra o ACTA, clique aqui.
 A liberdade não se recebe, conquista-se. E defende-se. Byte a byte.

sábado, janeiro 28, 2012

a sul de nenhum norte



A "zine mailinda do mundo" chegou ao quinto número. Parabéns!
Agora, vai ter de usar a outra mão para contar :)

quinta-feira, janeiro 26, 2012

Ao tempo novo e melhor que há-de vir



Um tempo que passou
(...)
Sim
encontro enfim
iguais a mim
outras pessoas aturdidas
as horas dessas vidas que estão
talvez postas em grande leilão
São
mais de um milhão
uma legião
um carrilhão de horas vivas
quem sabe, dobram juntas
as dores colectivas, quiçá
no canto mais pungente que há
ou dançam numa torre
as nossas sobrevidas
vidas, vidas
a se encantar
a se combinar
em vidas futuras
Enquanto o vinho corre, corre, corre
morrem de rir
mas morrem de rir
naquelas alturas
pois sabem que não volta jamais
um tempo que passou.
Sérgio Godinho

A LIVREIRA ANARQUISTA: Sobre a eficácia


A LIVREIRA ANARQUISTA: Sobre a eficácia

quarta-feira, janeiro 25, 2012

Régio sempre atual

José Régio por Hermínio Felizardo

      Soneto quase inédito 
Surge Janeiro frio e pardacento,
Descem da serra os lobos ao povoado;
Assentam-se os fantoches em São Bento
E o Decreto da fome é publicado.

Edita-se a novela do Orçamento;
Cresce a miséria ao povo amordaçado;
Mas os biltres do novo parlamento
Usufruem seis contos de ordenado.

E enquanto à fome o povo se estiola,
Certo santo pupilo de Loyola,
Mistura de judeu e de vilão,

Também faz o pequeno "sacrifício"
De trinta contos - só! - por seu ofício
Receber, a bem dele... e da nação. 
JOSÉ RÉGIO Soneto escrito em 1969.


domingo, janeiro 22, 2012

Bookshelf Porn

Bookshelf Porn
Porn for book lovers. A photo blog collection of all the best bookshelf photos from around the world for people who *heart* bookshelves.

sábado, janeiro 21, 2012

Bartolomeu de Campos Queirós


Bartolomeu da voz macia e das certeiras palavras, justas na medida do essencial. Há falas que nos encantam, fadados assim para todo o sempre.
A minha manhã hoje começou triste de saudade mas luminosa por esta voz que me lembrou esta feliz condenação de ler que diariamente nos salva de nos perdemos de nós e do que somos. E a alegria de (ainda) poder ajudar outros a saber usar o portal da leitura literária e dar a sua chave a todas as crianças, pelo puro prazer, no movimento que é a vida, sempre tão curta, sempre tão ancha, repetidamente grávida pela palavra do Anjo. Beleza é mesmo fundamental :).

Boa partilha. Obrigada, Clube de Leitura da Biblioteca Municipal de Beja e rasto das Andarilhas. Que assim seja.

CÂMERA DE VIGILÂNCIA: DOIS MICROCONTOS

Abrindo caminhos


Um dia, o prefeito cismou que o arco-íris cabia na categoria de ponte e mandou botar pedágio. Preso na realidade, o povo logo organizou um impeachment.


CÂMERA DE VIGILÂNCIA: DOIS MICROCONTOS
(este é o primeiro)

quinta-feira, janeiro 19, 2012

De uma dor física para um amor perdido


TERRENO

Muitas vezes o pintor fica sozinho,
com o terreno à sua frente, acentuado,
e os demónios às bicadas na sua cabeça.
É a altura de arriscar, de subir
os degraus da escada óptica, de forçar
a realidade a caber nos seus desenhos.

É também, senhores, a parte mais perigosa
da escalada – seria mau momento
para a corda se partir. Como quem salta
de uma dor física para um amor perdido,
ter as mãos e os braços em farrapos
e poder subir ainda um pouco mais.

Vítor Nogueira

[in Modo Fácil de Copiar uma Cidade, & Etc, 2011]

A Aventura dos Descobrimentos

Conhecem a coleção do Expresso sobre os reis de Portugal e os descobrimentos, disponível online no Instituto de Camões, com histórias com canções pelo meio, narradas pela Bárbara Guimarães? Fica aqui a morada.
http://cvc.instituto-camoes.pt/aprender-portugues/ouvir/a-aventura-dos-descobrimentos.html

A Aventura dos Descobrimentos

Urgentemente

É urgente o Amor,
é urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.

É urgente inventar a alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros,
e a luz impura até doer.
É urgente o amor,
É urgente permanecer.

Eugénio de Andrade
(19.01.1923-16.06.2005)

quarta-feira, janeiro 18, 2012

O Deus do Lar

Fang Tcheng Ta

Poeta chinês (1128 – 1191)
No último dia da duodécima lua
o deus do Lar volta para o Céu
para contar o que viu cá na Terra.
Antes de o queimarem e em fumo o tornarem
toda a família lhe dá de comer
para que fique com o ventre farto.
Leitão bem assado, peixe mui gostoso,
bolos aloirados, frutos bem maduros,
o vinho um regalo, não se olha a despesas.
O deus do Lar esquece as querelas,
as palavras insolentes, as faltas de todos.
Sobe ao Céu bêbado e satisfeito.
O que é preciso depois é arranjar outro deus.
(tradução de António Ramos Rosa)
Leitura aqui, pelo Estúdio Raposa

BITITES: Parasitagem (Proj. Lei 118 do P.S.)

BITITES: Parasitagem (Proj. Lei 118 do P.S.): Segundo a Bíblia, Jesus Cristo fez o milagre da multiplicação dos pães, alimentando, com apenas cinco pães e dois peixes, uma multidão d...

BIBLIOTECAR: ROGER CHARTIER: "A HUMANIDADE NUNCA LEU TANTO QUAN...

"A forma de dar aula vai mudar por conta das mudanças às quais os livros foram submetidos com o advento da plataforma eletrônica?

Não sei. O que eu sei é que as escolas devem ensinar todas as formas da cultura escrita (manuscrita, impressa, eletrônica), conscientizar os alunos de suas diferenças, e os acostumar a usar uma ou outra forma de escrever, para navegar no mundo dos textos como se faz em uma floresta. Sei também que os objetos eletrônicos inventados todos os dias representam um avanço técnico, mas também são mercadorias, que têm um custo abusivo para muitos e que geram lucros (nem sempre justificáveis por sua utilidade). É também uma lição que as escolas devem ensinar em uma crítica sobre a sociedade de consumo. Mas, é claro, um dos deveres das políticas públicas é tornar essas novas oportunidades acessíveis e familiares. Uma última coisa: nas palavras de Emilia Ferreiro, a presença de computadores ou de tablets em sala de aula não resolve por si só os problemas de aprendizagem e transmissão de conhecimentos - e, ao mesmo tempo, pode trazer a "tentação" de reduzir ou excluir o papel essencial dos professores.
"

BIBLIOTECAR: ROGER CHARTIER: "A HUMANIDADE NUNCA LEU TANTO QUAN...:   A human idade nunca leu tanto quanto hoje. Por um lado, a era digital faz com que os textos estejam mais disseminados. De outro, a pop...

Contra o medo

sexta-feira, janeiro 13, 2012

Bread and Roses 2012-1912 Pão e Rosas 2012-1912


Todos os dias de 2012 celebrarei este centenário.
De vez em quando escreverei aqui e noutros lugares, em nome do pão, em nome das rosas, e das que fizeram o que foi preciso para que tudo mudasse para toda a gente. Para podermos ser mais e melhor gente.
Faz APENAS 100 anos a greve das operárias têxteis em Lawrence, Massachussets, EUA, pela jornada de 8 horas diárias de trabalho e pelo princípio de que as pessoas não são bestas de carga e que quem trabalha também tem de poder viver fora do local e das ocupações laborais. Elas fizeram greve, mas também amaram um poema, e assim o elevaram no tempo. "We want bread, but we want roses, too!"
Num tempo em que há quem ache inevitável e até desejável voltar atrás, e mesmo sendo cem anos uma gota, é mais que um gesto leitor puxar o assunto - é um mínimo obrigatório, sem horário nem calendário, parte do gesto persistente que nos cumpre.
Assim seja.

Fonte: Blog Bread and Roses 

quarta-feira, janeiro 11, 2012

Ladrões de Bicicletas: Portugal não é a Grécia, o Haiti não é aqui

reportagem da jornalista Chloe Hadjimatheou arranca com o episódio da funcionária de um jardim infantil que encontrou um bilhete com uma das suas alunas de quatro anos: “Não virei buscar a Anna (nome fictício) hoje porque não tenho possibilidades de cuidar dela. Por favor tomem bem conta dela. Desculpem. A sua mãe” Ler mais aqui


Ladrões de Bicicletas: Portugal não é a Grécia, o Haiti não é aqui: Começa a ler-se a notícia e a primeira reacção, instintiva, é a de querer acreditar que se trata apenas de uma peça jornalística pouco ver...

The Joy of Books



Criado pelos proprietários de uma livraria de Toronto (Canadá)

Why Now? What's Next?


"(...) the greatest possibility lies in bringing together the ecological crisis and the economic crisis. I see climate change as the ultimate expression of the violence of capitalism: this economic model that fetishizes greed above all else is not just making lives miserable in the short term, it is on the road to making the planet uninhabitable in the medium term. And we know, scientifically, that if we continue with business as usual, that is the future we are heading towards. I think climate change is the strongest argument we’ve ever had against corporate capitalism, as well as the strongest argument we’ve ever had for the need for alternatives to it. And the science puts us on a deadline: we need to have begun to radically reduce our emissions by the end of the decade, and that means starting now. "

Why Now? What's Next? Naomi Klein and Yotam Marom in Conversation About Occupy Wall Street | The Nation (09.01.2012)

Exercício

Caute, divisa de  Bento Espinosa, ou Espinoza. Daqui


Uma sociedade onde a paz não tem 
outras bases senão a inércia dos 
súbditos – que se deixam levar como 
carneiros e se não exercitam senão na 
escravidão – não é uma sociedade, é 
uma solidão.




1634-1677

Entre os 3 e os 8 anos, crucial

domingo, janeiro 08, 2012

Inteligência - remédio infalível



Eis o diálogo...
Riley: Não é justo todas as meninas comprarem princesas.
E todos os meninos comprarem super heróis!
Adulto: Por quê?
Riley: Porque meninas querem super-heróis e os meninos querem super-heróis!
E as meninas querem coisas rosa e os meninos não querem coisas rosa.
Adulto: Os meninos não...
Por que acha que isso acontece?
Fariam isso?
Riley: Porque as companhias que fazem esses (brinquedos) tentam enganar as meninas para que elas comprem as coisas rosa ao invés das coisas que os meninos querem comprar, certo?
Adulto: Sim... mas você pode comprar qualquer um, né? E os meninos também, se eles quiserem, eles podem comprar coisas cor de rosa, certo?
Riley: Sim!!! E porque então todas as meninas só tem que comprar princesas ???
Algumas meninas gostam de super-heróis, outras meninas gostam de princesas. Alguns meninos gostam de super-heróis, outros meninos gostam de princesas.
Então porque todas as meninas tem que comprar coisas cor de rosa e todos os meninos devem comprar coisas de cores diferentes?
Adulto: É uma boa pergunta, Riley 

Vencer a iniquidade, 50 anos e 7 dias depois. Sem bravata


Na manhã do dia 1 de Janeiro de 1962, e, o meu irmão e as minhas duas irmãs formos cordados, não pelo meu pai ou a minha mãe, como era costume, mas por um tio ou uma tia. Mandaram-nos vestir um roupão sobre os pijamas e acompanhá-los. Atravessámos a curta distância que separava a casa do meu avô materno da casa onde vivíamos, e à qual nunca mais voltei. Durante semanas só nos disseram coisas vagas. As empregadas do meu calavam-se de repente quando passávamos. Soubemos depois que a família não yinha a certeza que o meu paí sobrevivesse aos ferimentos de bala que sofrera no ataque ao quartel de Beja na madrugada daquele dia 1. A minha mãe estava presa. Voltou para casa um ano e meio depois. Ele, ao fim de seis anos. Lembro-me: a minha mãe, a quem não deixaram abraçar os filhos pequenos, encharcando com lágrimas os punhos cerrados de fúria com que agarrava as grades do parlatório de Caxias. O nosso terror. O meu pai, numa cela da Penitenciária de Lisboa, entubado, magríssimo, a voz quase apagada, um fantasma desvanecido contra a luz da janela, aquele homem que eu recordava grande, alegre, garboso na sua farda. Desapareceu de vez a infatigável alegria do meu irmão, um miúdo palrador e de olhos cheios de luz. Ganhou dificuldades de fala e endureceu. Nunca mais encontrou a paz. Por mim, fui adolescente a querer ser homem sem ter para isso pai. Não foi fácil e não se tornou menos difícil depois. As minhas irmãs, eu sei lá, nunca falamos disso. A família juntou-se para nos acolher e ajudar, houve amigos que estiveram à altura da ocasião, mas vivíamos com alguma dificuldade. Quando a minha mãe foi libertada, tinha perdido a profissão que a PIDE a impediu de retomar. Arranjou os empregos possíveis. Dormia pouquíssimo, trabalhava loucamente e aguentou tudo. Só perdeu a juventude e a saúde.
Quando visitávamaos os meus pais em Caxias, em Peniche, encontrámos pessoas que sofreram muito mais que nós e estavam muito mais desamparados. Especialmente os familiares de militantes do PCP, gente heróica sem bravata. Aprendemos que, para aém dos nossos pais e dos que, com eles, foram a Beja (alguns, com menos sorte e resistência física que o meu pai, para lá morrerem), havia em Portugal muitas pessoas rectas que, ao fazerem o que era necessário fazer, causaram danos colaterais como aqueles que a minha família sofreu. Aprendemos que é mesmo assim, que nada e consegue sem danos colaterais. Aprendemos também, todavia, que a maioria da pessoas não suporta esta ideia e só quer paz e sossego. É a vida, mas felizmente haverá sempre aqueles que são maiores que a vida. Se os não houvera, a iniquidade venceria necessariamente.
Coincide com os 50 anos da Revolta de Beja a perseguição movida pelo regime que hoje vigora em Portugal contra Otelo Saraiva de Carvalho, o operacional responsável pela revolta seguinte, o 25 de Abril de 1974. Que isso não nos impeça de dizer e fazer o que é necessário. A iniquidade não pode vencer.
Paulo Varela Gomes, in P2, p.3, suplemento do jormal Público, 07.01.2012

segunda-feira, janeiro 02, 2012

Pelo método de Dulce

Quando desaparecemos (Para o João Paulo Conceição.)

Fotografia de uma criança em Chicago
Publicado no jornal i de 24 de novembro de 2011.
Retirado do Blog A Natureza do Mal
Por vezes algumas pessoas simpáticas aproximam-se revelando a sua condição de leitores. Quase sempre me dizem, de várias formas delicadas, que não gostam do que escrevo. A mais comum é insinuarem que ficam afogadas em citações e que gostariam de me ouvir sobre algo que fosse verdadeiramente meu. Ora aquilo a que chamam citações são referências. As minhas são literárias. Mesmo as que não são literárias, só são susceptíveis de ser transmitidas através da escrita. Eu não falo com eles, não componho música, não pinto nem faço fotografias que possam transmitir o terreno comum que tento criar nos textos que escrevo.
O que durante anos me levou a escrever foi desencadeado por livros. Não há, para mim, uma vida decente separada da literatura. A semana passada ouvi uma escritora chamada Dulce Maria Cardoso. Cresceu em África, de onde foi expulsa aos 11 anos, tendo-se exilado em Portugal. Apesar de ter passado por grandes provações é hoje uma mulher serena e obviamente muito interessante. Na entrevista, sempre que lhe era permitido, dizia coisas importantes, sobretudo pela forma bem estruturada como o fazia. Viveu numa capital colonial, numa época em que os brancos começaram a desaparecer sem que ninguém parecesse dar conta. Depois numa aldeia miserável da metrópole, finalmente em Cascais, onde, durante um ano, uma professora a tratou sempre como a retornada. O que lhe permitiu sobreviver sem sequelas foi a construção de uma personagem literária, ela própria, a quem iam acontecendo aquelas coisas desagradáveis. A pior existência torna-se tolerável se nos virmos como uma persona, que um dia será tão estimada como David Copperfield ou Jane Eyre. Mas esta operação, o método de Dulce, envolve uma dificuldade. É preciso ter lido algum autor, como Dickens ou as irmãs Brontë. É preciso ter lido. Na biblioteca itinerante da Gulbenkian ou na biblioteca municipal de uma aldeia obscura de Trás- -os-Montes. Livros grandes, como preferia a Dulce, que durassem uma semana ou toda a quinzena da requisição, até ao regresso da esplendorosa viatura com portas de estribos, faróis como olhos perscrutantes, abrindo-se pela retaguarda como uma baleia invertida e revelando estantes laterais por dentro da chapa ondulada.
Hoje convoco três referências para uma crónica que é como um quarto de cuidados paliativos. Tony Judt, que no “Chalet da Memória” escreveu: “Passei muito tempo sentado na margem do rio de Putney, a pensar, embora não me lembre em quê”; os Radiohead de How to disappear completely: “That there, that’s not me /I go where I please/ I walk through walls/ I float down the Liffey”; e um dos últimos livros do Planeta Tangerina, que pergunta Para onde vamos quando desaparecemos, uma história de Isabel Minhós Martins ilustrada pela Madalena Matoso.
Deixo os rios. Mais depressa me via no rio que William Blake, em “Dead Man”, desceu com Ninguém. Começo e acabo neste livro. As cores fundamentais da capa são duas: uma é ciano escuro, da faixa verde – azul do espectro, e a outra é sua complementar, quase o vermelho puro de Rodchenko. Nas mãos de Madalena Matoso podem ser o oceano, um rio, um campo cultivado, as camisolas dos pescadores, o tronco de uma árvore ou o perfil aguçado das cumeadas. Há depois uma linha preta, que no início parece uma estrada a atravessar as páginas, depois os cascos de barcos num mar revolto, a seguir os ramos das árvores no Inverno, uma rede viária e finalmente ambas as coisas e todas as coisas. As perguntas são as mais difíceis, mas feitas sem ênfase dramática nem a enjoativa infantilidade dos psicólogos dos afectos, frisando que há sempre mais possibilidades. Aí adensa-se o novelo das linhas, confundem-se os percursos e as copas das árvores e um rio-estrada mergulha num lago – bosque, enquanto uma casa se levanta como uma torre frestada.
Quase no centro do livro, um casal que não saiu para dançar dorme, mas no sono compõe um pezinho de dança. É então que o texto ironiza: “ Melhor que nada.”
O que faremos quando desaparecemos é igualmente a indagação central da obra de Vila-Matas, ela também construída pela sobreposição de referências, numa rede tão cerrada que, se as anotarmos, contaremos centenas, de Montaigne a Joseph Roth. Eu sou como a Dulce, embora a minha vida não tenha sido tão atribulada nem tão marcada a minha exclusão. Nos momentos mais graves – duas prisões, o incêndio na casa de Azeitão, a perseguição do paranóico que namorara com a rapariga dos fanzines – era sempre a outro que as coisas sucediam. E esse outro era uma personagem, quase sempre literária. No início um poema épico, depois um roman fleuve, em seguida uma novela picaresca e mais tarde contos curtos, de um grande apaziguamento, com momentos détode diversão.
Em “Youth: Scenes of Provincial Life II”, Coetzee, ou o juvenil narrador coetzeeano, escreveu que gostaria de ter ido para a cama com Emma Bovary e de ter ouvido o famoso cinto a assobiar, como uma cobra, quando ela o despia.
Queria, quando tiver alta desta enfermaria, ouvir o silvo do cinto de Emma Bovary, dançar enquanto durmo, de preferência com uma senhora de cabeleira de fogo, ou, vogando na canoa arranjada por Ninguém, ver o Tony Judt sentado na margem do rio a pensar em nada.
Luís Januário

Ladrões de Bicicletas: A tirania do mérito

Ladrões de Bicicletas: A tirania do mérito : « Quem alcançou o topo, passou a acreditar que o sucesso foi um feito seu, uma medida do seu ...