Em 2018, as trabalhadoras da Fábrica Triumph em Sacavém, Portugal, lutam ocupando as instalações por trabalho e direitos. A insolvência da Triumph, depois de anos de apoios públicos, nacionais e comunitários, é uma fraude.
A luta destas mulheres, valentes, a dar gesto ao sonho de um mundo de dignidade e justiça, mostra caminho, precisa de todos nós, e ensina-nos mais que muitos discursos.
Os economistas, em Janeiro de 2017, descansavam toda a gente: era um sucesso. A verdade é que fora vendida a uma empresa de fachada (TGI-Gramax) que a comprou há um ano para abrir falência logo a seguir. O ministro da Economia foi na conversa dos grandes investimentos. Quem lá trabalha não se deixou enganar, tem outra cultura mais lúcida que o ministro e os economistas de serviço: a Triumph deslocalizou a produção para um lugar de mão de obra mais barata e encontrou um cangalheiro para se desfazer do que deixou para trás. Dezenas de mulheres, as suas famílias, anos e anos de trabalho a fazer o melhor possível da unidade portuguesa de fabrico da multinacional do têxtil.
Hoje, solidária com corajosas trabalhadoras da Triumph, que estão a criar o mundo, releio o Pina, em 2005
Onde se fala de gatos e de homens
Os meus gatos dormem durante a maior parte do dia (e, obviamente, durante a noite toda). Suspeito que os gatos têm um segredo, que conhecem uma porta para um mundo coincidente e feliz, por onde só se passa sonhando. Um mundo criado como Deus terá criado o nosso humano mundo, à sua desmesurada imagem. Porque os que sonham são deuses criadores. Os gatos sonham dormindo, os homens sonham fazendo perguntas e procurando respostas.
Mas os meus gatos dormem e sonham porque não têm fome. Teriam, se precisassem de procurar comida, tempo para sonhar? Acontece talvez assim com os homens. Como se o espírito criador fosse, afinal, prisioneiro do estômago. Talvez, então, a mesquinhez de propósitos da nossa vida colectiva radique, como nos querem fazer crer, no défice, e talvez o cumprimento das normas do pacto de estabilidade seja o único sonho que nos é hoje permitido.
E, contudo, dir-se-ia (e isto é algo que escapa aos economistas) que é o sonho, mais do que a balança de pagamentos, que alimenta a vida, e que os povos, como os homens, precisam de mais do que de números. Os próprios números têm (os economistas não o sabem porque a sua ciência dos números é uma ciência de escravos) o poder desrazoável de, não apenas repetir, mas sonhar o mundo.
Há anos que somos governados por economistas e o resultado está à vista. Talvez seja chegada a altura de ser a política (e o sonho) a dirigir a economia e não a economia a dirigir a política. Jesus Cristo «não sabia nada de finanças, / nem consta que tivesse biblioteca», e o seu sonho, no entanto, continua a mover o mundo.
Manuel Antóno Pina. JN, 09/11/2005