"Maffei refere-se ao cérebro em todos os seus elogios. No Elogio da Palavra: “A evolução demorou milénios a modificar o cérebro para dar a palavra ao homem. Este depois inventou a escrita para que as palavras tivessem significados permanentes e fossem próteses da memórias.” Embora reconhecendo o primado do social no humano chama a atenção dos perigos do “cérebro globalizado.” Como diria Magritte, “isso não é um cérebro”. A Internet está inundada de exibição em vez de informação, tagarelice em vez de debate, propaganda em vez de racionalidade: “O cérebro globalizado é entregue gratuitamente no domicílio através dos meios visuais e verbais, autênticos traficantes da mente, como o melhor dos cérebros possíveis, indispensável para o futuro, para o progresso e para o aumento do PIB”. O cérebro do autor – que é único - revolta-se contra esse “cérebro globalizado”, que recusa a lentidão e a palavra que o cérebro individual exigem.Para termos cérebros precisamos de escola. Maffei defende a “escola da palavra”. A sua posição está em linha com obras recentes da filósofa norte-americana Martha Nussbaum e do professor italiano de Literatura Nuccio Ordine, que ele cita. A primeira, em Sem Fins Lucrativos (Edições 70, 2019), defende que a democracia precisa das humanidades e o segundo, em A Utilidade do Inútil (Faktoria K, 2017), pugna pela necessidade do saber desinteressado. A escola deveria recuperar o poder da palavra, em vez de dar certificados a analfabetos funcionais. Maffei levanta a hipótese de que a actual incúria da escola tenha sido programada: “Súbditos mudos, não educados para a palavra e para o pensamento, são cidadãos funcionais para uma democracia de fachada.” Receio que ele tenha razão.(...)Se temos um cérebro, só nosso, é nossa obrigação usá-lo. Deveria ser óbvio, mas talvez valha a pena lembrar que não há liberdade se não houver pensamento, ou se apenas houver o pensamento único do “cérebro globalizado."
Carlos Fiolhais, numa bela recensão, aqui Lamberto Maffei. Elogio de Três Elogios (2020)
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