O Poema Pouco Original do Medo
O medo vai ter tudo pernas ambulâncias e o luxo blindado de alguns automóveis
Vai ter olhos onde ninguém os veja mãozinhas cautelosas enredos quase inocentes ouvidos não só nas paredes mas também no chão no tecto no murmúrio dos esgotos e talvez até (cautela!) ouvidos nos teus ouvidos
O medo vai ter tudo fantasmas na ópera sessões contínuas de espiritismo milagres cortejos frases corajosas meninas exemplares seguras casas de penhor maliciosas casas de passe conferências várias congressos muitos óptimos empregos poemas originais e poemas como este projectos altamente porcos heróis (o medo vai ter heróis!) costureiras reais e irreais operários (assim assim) escriturários (muitos) intelectuais (o que se sabe) a tua voz talvez talvez a minha com certeza a deles
Vai ter capitais países suspeitas como toda a gente muitíssimos amigos beijos namorados esverdeados amantes silenciosos ardentes e angustiados
Ah o medo vai ter tudo tudo
(Penso no que o medo vai ter e tenho medo que é justamente o que o medo quer)
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O medo vai ter tudo quase tudo e cada um por seu caminho havemos todos de chegar quase todos a ratos
Sim a ratos
Alexandre O'Neill, in 'Abandono Viciado' (1960)
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