Neste livro, encontramos um magnífico texto de 2007 de Mia Couto que nos guia no desarmadilhamento do mundo.
Armadilha da realidadeA realidade é uma construção social e é, frequentemente, demasiado real para ser verdadeira. Nós não temos sempre que a levar tão a sério.A imensa felicidade que a escrita me deu foi a de poder viajar por entre categorias existenciais. Na realidade, de pouco vale a leitura se ela não nos fizer transitar de vidas. De pouco vale escrever ou ler se não nos deixarmos dissolver por outras identidades e não reacordarmos em outros corpos, outras vozes. A questão não é apenas do domínio de técnicas de decifração do alfabeto. Tratase, sim, de possuirmos instrumentos para sermos felizes. E o segredo é estar disponível para que outras lógicas nos habitem, é visitarmos e sermos visitados por outras sensibilidades. É fácil sermos tolerantes com os que são diferentes. É um pouco mais difícil sermos solidários com os outros. Difícil é sermos outros, difícil mesmo é sermos os outros.
Armadilha da identidadeEsta biologização da identidade é uma capciosa armadilha. Simone de Beauvoir disse: a verdadeira natureza humana é não ter natureza nenhuma. Com isso ela combatia a ideia estereotipada da identidade. Aquilo que somos não é o simples cumprir de um destino programado nos cromossomas, mas a realização de um ser que se constrói em trocas com os outros e com a realidade envolvente.
Vale mesmo a pena ler tudo, ler o livro. Há lá mais...Armadilha da hegemonia da escritaUma terceira armadilha é pensar que a sabedoria tem residência exclusiva no universo da escrita. É olhar a oralidade como um sinal de menoridade. Com alguma condescendência, é usual pensar a oralidade como património tradicional que deve ser preservado. O culto de uma sabedoria livresca pode contrariar o propósito da cultura e do livro que é o da descoberta da alteridade.
O texto que destaco hoje, apresentado numa Conferência em São Paulo em 2007, pode também ser lido na íntegra aqui:
"Quanto menos entendemos, mais julgamos." - Mia Couto
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