A propósito de uma discussão efémera sobre a obrigatoriedade da leitura de Os Maias de Eça de Queirós no Ensino Secundário.
As histórias do que lemos e quando são sempre curiosas.
A primeira vez que li Os Maias foi há imensos anos, quase às escondidas. Na época, incentivada por uma frase de grande efeito:"esse não é para a tua idade" (13 anos), seguida de uma outra ainda melhor "isso não é próprio para meninas".. Não há nada como uma beatice para promover a leitura num adolescente... Já agora, não era mesmo para a minha idade, achei-o uma chatice, ao contrário de outros do Eça, como A cidade as serras, ou os Contos...
Depois, com 15 ou 16 anos, li-o com mais gosto, mas mesmo assim sem grande entusiasmo, e com ajuda de professora em sala de aula. O incesto era tabu, nesse tempo, mas por essa altura tive a sorte de a professora de Português e a de Grego falarem uma com a outra, e ambas connosco, e ambas estarem disponíveis para nos escutarem. E ambas terem lido o livro, e muitos outros livros.
Mas quando o entendi melhor foi quando tive de reler para o ensinar a alunos adultos, num curso noturno, tinha eu 18 anos, e todos eles muitos mais - ajudou imenso imaginarmos a história num filme, e claro que descobri que a idade interessa para apreciar o romance. As palavras saltaram do livro para a nossa voz, e foi um prazer que ainda recordo, grata. Mais tarde, o Botelho fez o filme. Ou fez um dos filmes possíveis. Não vi, acredito que será bom, pelo que me disseram.
Voltei ao livro algumas vezes, e de cada vez reagi de modo diferente. Uma das grandes vantagens dos livros é que alguns - os bons - não são como os iogurtes, e não têm prazo de validade... Como leitora livre, aluna da escola secundária e professora, fui sempre poupada aos resumos para efeitos escolares, até ter que apoiar estudantes em tarefas sujeitas a avaliação. Foi uma trabalheira conseguirmos chegar ao livro propriamente dito... mas os resumos ajudavam imenso a treinar as respostas para exames e testes. Aprendi assim que se pode escrever sobre um livro sem nunca o ter lido. Parecer que se leu - na verdade, lemos outra coisa, a versão do livro, uma imagem numa fotografia de alguém que nunca conhecemos.
O Eça, hoje, faria disto um romance, inventava uma casa de espelhos e traria para papel as dores e os amores da gente real. De tal modo o escreveria, que o leríamos, não por estar numa lista de obrigações, mas porque a vida nos obriga a procurar compreender, sentir e imaginar. Uma empresa diária, em que contamos com ajudas - por exemplo, dos bons livros, acessíveis no momento certo, é da nossa disponibilidade interior para nos encontrarmos com eles, e neles.
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