«Vieram de longe, dos lugarejos lá para o âmago das florestas de pinheiros e carvalhais nos planaltos e caramulinhos de onde se avista o Caramulo e já o vulto da Estrela. Levantaram-se ainda com escuro, beberam a malga de café ou engoliram o caldo de cebola adubado com unto, algumas talvez só um naquito de broa. Lá vieram dentro dos xailes, batendo os tamancos cardados sobre os caminhos pegajosos, rechinantes do gelo e da geada. Aqui estão, os pés roxinhos, mãos encolhidas e vermelhas, nariz dormente, olhos lacrimejantes de tanto frio, sentadas nos degraus de granito, muito juntas umas às outras, à espera que se abra a grande porta da escola. Estou entre elas. Estou com elas.»
in Memórias da Escola Antiga (1981)
Sobre as colegas da escola primária de uma aldeia beirã que frequentou no final dos anos 20 e início dos anos 30 do século passado.
«Na década de 30, do século XX, o Estado Novo acabava de se implantar. A nível político vivia-se ainda, sobretudo nas cidades, o rescaldo das lutas dos últimos tempos da República, embora de uma forma muito interiorizada, pois, dada a existência de polícia política, era pouco prudente expressar certas opiniões. Portugal era um país pobre, com cerca de 50% da população vivendo da agricultura, com um índice de analfabetismo de mais de 75% para as mulheres e 70% para os homens, que assim se viam privados do direito de votar. A mortalidade infantil era grande. Sendo as famílias numerosas, era usual ouvir-se "tive seis filhos mas morreu-me um".
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