domingo, novembro 19, 2017

Lutar

Foto de Manuel Grilo.
Manifestação de professores,  junto à Asssembleia da República. 15.11.2017

Luta de classes já não há, dizem alguns com olhos baços. A ver se a gente se cala, amocha, aceita. Mas nós, como os mestres que no lo ensinaram, não vamos por aí.
Depois como sugere Chomski, a gente olha para os salários dos CEO das grandes empresas e fica a pensar... Repara na evolução dos muito ricos durante a "crise da austeridade" em Portugal e fica a pensar ainda mais...

Vem a leitura a propósito da greve de professores em Portugal, na semana que findou, com a agitação inerente e as maratonas negociais que, espero, ainda agora tenham começado. Lutar, pois, é disso que se trata, em todos os tabuleiros, com as razões do coletivo e as forças de cada um, cada qual onde consegue agir.

Desculpas para não lutar, sempre houve e haverá.

Críticas a quem dirige as lutas, é bom que sempre haja, e capacidade de as ouvir.

Preciso, sempre é que haja força e coragem, solidários e tenazes.

Saúdo os professores em greve, e todos os trabalhadores em luta, de tantas formas clamando "Não vou por aí!"



Cântico negroJosé Régio  
"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos docesEstendendo-me os braços, e segurosDe que seria bom que eu os ouvisseQuando me dizem: "vem por aqui!"Eu olho-os com olhos lassos,(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)E cruzo os braços,E nunca vou por ali...A minha glória é esta:Criar desumanidades!Não acompanhar ninguém.— Que eu vivo com o mesmo sem-vontadeCom que rasguei o ventre à minha mãeNão, não vou por aí! Só vou por ondeMe levam meus próprios passos...Se ao que busco saber nenhum de vós respondePor que me repetis: "vem por aqui!"?Prefiro escorregar nos becos lamacentos,Redemoinhar aos ventos,Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,A ir por aí...Se vim ao mundo, foiSó para desflorar florestas virgens,E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!O mais que faço não vale nada.Como, pois, sereis vósQue me dareis impulsos, ferramentas e coragemPara eu derrubar os meus obstáculos?...Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,E vós amais o que é fácil!Eu amo o Longe e a Miragem,Amo os abismos, as torrentes, os desertos...Ide! Tendes estradas,Tendes jardins, tendes canteiros,Tendes pátria, tendes tetos,E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...Eu tenho a minha Loucura !Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;Mas eu, que nunca principio nem acabo,Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,Ninguém me peça definições!Ninguém me diga: "vem por aqui"!A minha vida é um vendaval que se soltou,É uma onda que se alevantou,É um átomo a mais que se animou...Não sei por onde vou,Não sei para onde vouSei que não vou por aí!
Fonte:

José Régio - Cântico negro

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