domingo, fevereiro 21, 2016

Roma Rosae

Iagem da capa da 1ª edição de Uthopia, de T. More, 1516

Das grandes cidades, restarão os nomes, e nada mais. Tudo o que temos são os nomes, e nada mais. E nada menos.

Isso mesmo cantou um poeta do século XII, Bernardo Morliacense, que bem poderia ter sido personagem do romance O Nome da Rosa, de Umberto Eco. Eco leu Bernardo, no século XX, e, subtilmente, citou-o... no final do romance. Porém, como lhe pertencia por estilo e arte, com truque.
Eco: "Stat rosa pristina nomine, nomina nuda tenemos" (a rosa antiga permanece no nome, nada temos além dos nomes)
Bernardo: Roma em vez de rosa (a Roma antiga permanece no nome, nada temos além dos nomes).

Morreu ontem Eco, aos 84 anos, vida cheia e biblioteca amada. Dei por mim a pensar reler O Nome da Rosa como se de um livro sobre Roma se tratasse. Claro que é um livro sobre os nomes, Eco era um grande filósofo, cuidava da permanência. Só escrevia romances, bem avisou, ao fim de semana. Provavelmente, distante das cidades, entendidas como construção urbana. E da Cidade, o que significa Sistema, se entendermos Roma como sinal de poder. Roma ou Rosa?

Como é fim de semana, brinquei também e imaginei Brecht escrevendo o poema abaixo transcrito, com a cor do sangue e dos gritos dos homens e das mulheres sem nome, depois de ler Eco. E More escolhendo a imagem da sua Utopia, na mesma situação - afinal o sonho permanece, as cidades utópicas são nomes, e, por isso, indestrutíveis a não ser que ninguém as leia. 
Declaração de interesses: sou historiadora de formação, e de há muito sei que um anacronismo por dia, muito bem nos faria, nestes tempos carentes de imaginação... sobretudo ao fim de semana!

Um bom tema para um romance, ou uma conversa de brincadeira na biblioteca de Umberto Eco: quem e o quê leu Bernardo?


Quem construiu Tebas de sete portas?



Quem construiu Tebas de sete portas?
Nos livros estão os nomes dos reis.
Foram os reis que arrastaram os blocos de pedra?
E as várias vezes destruída Babilónia —
Quem é que tantas vezes a reconstruiu?
Em que casas da Lima fulgente
de oiro moraram os construtores?
Para onde foram os pedreiros na noite em que ficou pronta
a Mu­ralha da China? A grande Roma
está cheia de arcos de triunfo. Quem os levantou?
Sobre quem triunfaram os césares?
Tinha a tão cantada Bizâncio
Só palácios para os seus habitantes?
Mesmo na lendária Atlântida
Na noite em que o mar a engoliu bramavam os
afogados pelos seus escravos.
O jovem Alexandre conquistou a Índia.
Ele sozinho?
César bateu os Gálios.
Não teria consigo um cozinheiro ao menos?
Filipe da Espanha chorou, quando a armada se afundou.
Não chorou mais ninguém?
Frederico II venceu na Guerra dos Sete Anos —
Quem venceu além dele?
Cada página uma vitória.
Quem cozinhou o banquete da vitória?
Cada dez anos um Grande Homem.
Quem pagou as despesas?
Tantos relatos
Tantas perguntas. 


(Tradução de Paulo Quintela)


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