Roda Viva
Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu
A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega o destino pra lá
Roda mundo, roda-gigante
Roda-moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração
A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega a roseira pra lá
Roda mundo, roda-gigante
Roda-moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração
A roda da saia, a mulata
Não quer mais rodar, não senhor
Não posso fazer serenata
A roda de samba acabou
A gente toma a iniciativa
Viola na rua, a cantar
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega a viola pra lá
Roda mundo, roda-gigante
Roda-moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração
O samba, a viola, a roseira
Um dia a fogueira queimou
Foi tudo ilusão passageira
Que a brisa primeira levou
No peito a saudade cativa
Faz força pro tempo parar
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega a saudade pra lá
Roda mundo, roda-gigante
Roda-moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração
Chico Buarque (1967) e MP4
Os passos a que ando, um atrás do outro, como as letras em carreirinha, do fim para o princípio.
sábado, junho 09, 2007
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2 comentários:
Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu
A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega o destino pra lá
(carregue para ver e ouvir... e cantar)
«Em memória da professora Manuela Estanqueiro
16.06.2007 no PUBLICO
Foi há dias a enterrar, às três da tarde. Mais um crime da máquina administrativa que nos tortura.
A professora Manuela Estanqueiro sofreu de leucemia, tinha 63 anos, mais de 30 de serviço e dava aulas em Cacia, Aveiro. A Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações não entendeu, ou não quis entender, a gravidade da situação desta docente. Por isso a obrigou a ir trabalhar em condições de extremo sofrimento: 31 dias de agonia, entre vómitos e desmaios em plena aula.
A merecida aposentação apenas lhe foi oficialmente concedida uma semana antes da sua morte, quando ela se encontrava já acamada no hospital. Quase podemos afirmar, portanto, que a professora Manuela Estanqueiro morreu a trabalhar. Foi assim mais uma vítima deste governo insensível, obstinado e cego. E da sua máquina administrativa injusta e cruel. O professor suspenso da Direcção Regional de Educação do Norte é, por outro lado, bem demonstrativo do clima de delação e medo que insidiosamente se vem instalando no país. Foram, entretanto, inadmissíveis as pressões sobre órgãos de comunicação social aquando das revelações sobre o obscuro processo da licenciatura do primeiro-ministro. E a recente actuação contra a Associação dos Professores de Matemática é bem exemplificativa desse insustentável ambiente claustrofóbico.
As sucessivas incompetências do Ministério da Educação (de que o povo nem se parece aperceber) mostram à sociedade que importa mudar rapidamente de governação, no que respeita ao sistema de ensino. Destaquemos alguns factos:
1. Os equívocos em que incorreram três exames no prazo de um ano e que tiveram de ser resolvidos com remedeios atamancados (em provas que deveriam ser anónimas, a carta no exame de Português de 9.º do ano transacto, que identificava os alunos; a prova de aferição deste ano de Português do 6.º; a prova de Química de 12.º do ano passado);
2. A trapalhada da ilegal 2.ª chamada de Química, no ano transacto, que o Ministério foi sucessivamente perdendo em tribunal, o que prejudicou alunos e pais e custou dinheiro aos contribuintes;
3. O caso do ensino do Inglês no 1.º ciclo, que os pais pagaram... quando havia vários professores dessa disciplina sem alunos, em muitas escolas, sedes de agrupamentos verticais;
4. O facto de se terem forçado professores de Francês a dar Português no concurso do ano passado (docentes que davam Português há mais de dez anos foram substituídos por colegas que haviam dado esta disciplina somente no estágio, também há mais de dez anos);
5. A separação forçada de famílias com filhos de tenra idade afastadas por centenas de quilómetros durante três anos;
6. O constrangimento de professores do ensino especial (1.º ciclo), com provas dadas, obrigados a interromper as funções de especialidade em escolas-sede, por forma a não perderem condições mais favoráveis de aposentação;
7. O aumento ilegal da carga horária dos professores do ensino não superior;
8. As famigeradas aulas de substituição, adoptadas das formas mais díspares e sem terem sido ainda avaliadas com isenção;
9. O fecho cego de escolas, aumentando ainda mais o isolamento do interior de Portugal;
10. O precipitado concurso (em maré de efectivação) de candidatura a professor titular, o qual ofende vários normativos, designadamente o princípio constitucional da igualdade, e foi sendo alterado durante o próprio processo (!), afrontando assim os mais elementares princípios do direito universal;
11. A falta de jeito no trato com os sindicatos de professores, tão gritante que os uniu pela primeira vez.
A verdade é que a ministra e a sua equipa são incompetentes, porque não conhecem, no terreno, a realidade do ensino não superior.
Afinal, o Governo e a ministra da Educação não querem melhorar o ensino: apenas se encontram numa desvairada cruzada de poupança, sem medir terríveis efeitos perversos, de que salientamos a desmotivação e o cansaço dos professores, a sua desautorização perante a comunidade educativa, a indisciplina e as ofensas a docentes, o exercício despudorado do arbitrário e da propaganda fácil, o impressionante desinvestimento em educação.
Sinal dos tempos ominosos que vivemos: a minha colega Manuela Estanqueiro foi a enterrar há dias, após inconcebível insensibilidade de quem detém o poder, neste país. Em sua memória, melhore-se, com seriedade, a política da educação.
J. Sousa Dias
Ourém»
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