sábado, maio 12, 2007

Partilhas do dia de hoje (doze do cinco) - 3

17. CAPUCHINHO VERMELHO DE HELICÓPTERO

Vi fazer este jogo em algumas escolas. Dão-se às crianças algumas palavras, sobre as quais deverão inventar uma história. Cinco palavras, por exemplo, surgem em série e sugerem a história do Capuchinho Vermelho: “menina”, “floresta”, “flores”, “lobo” e “avó”. A sexta desfaz a série: por exemplo, “helicóptero”.

Os professores, ou os outros autores da experiência, medem com este jogo-exercício a capacidade que têm as crianças de reagir a um elemento novo e, em relação a uma certa série de acontecimentos, inesperado; e de absorver a palavra dada na história conhecida; e de fazer reagir as palavras do costume ao novo contexto em que virão a encontrar-se.

Visto de perto, o jogo tem a forma de um binómio fantástico: de um lado está o Capuchinho Vermelho, do outro, o helicóptero. O segundo termo do binómio é uma única palavra. O primeiro uma série de palavras, que no entanto em relação à palavra helicóptero se comportam como um conjunto. Assim, tudo é claro do ponto de vista da lógica fantástica.

Os resultados mais interessantes para o psicólogo obtêm-se, penso eu, quando este tema fantástico se dá a frio, sem preparação, embora sem um mínimo de explicação.

Pessoalmente, tendo ouvido falar desta experiência a um professor de Viterbo de quem infelizmente perdi o nome e a morada, decidi servir-me dela durante um encontro com algumas crianças alunas da segunda classe bastante bloqueadas por uma rotina didáctica da pior espécie (cópias, ditados e análogos). Em resumo, nas piores condições. Tentara em vão fazer que deles nascesse uma história: empresa difícil, quando se aparece de repente, como um estranho, que custa a perceber-se o que quer. De resto, tinha poucos minutos à minha disposição porque me esperavam outras aulas. Mas não me agradava deixar aquelas crianças sem lhes dar algo que não fosse apenas a lembrança de um tipo esquisito que para se armar em palhaço se sentava no chão ou se punha em cima de uma cadeira (gestos necessários, naquele contexto, para quebrar a atmosfera burocrática criada pela presença do professor e do inspector escolar). Se ao menos tivesse trazido uma harmónica de boca, u pífaro, um tambor…

Finalmente lembrei-me de perguntar de algum queria contar a história do Capuchinho Vermelho. As raparigas indicam um rapaz, os rapazes apontam para uma menina.

“E agora”, peço depois de o rapazinho ter acabado de me debitar já não a história do Capuchinho Vermelho como lha deveria ter contado a avó, mas uma insípida lengalenga (recordação de uma récita escolar, coitado), “agora digam-me uma palavra qualquer”.

Não compreendem o que quer dizer qualquer, naturalmente. Temos de nos explicar. Por fim dizem-me: “cavalo”. Posso contar a história do capuchinho Vermelho que na floresta encontra um cavalo, montando-o e chegando a casa da avó antes do lobo…

Então vou ao quadro e escrevo, no meio de um belo silêncio finalmente cheio de expectativa, caloroso como uma fogueira: “menina”, “floresta”, “flores”, “lobo”, “avó “helicóptero”… Volto-me para a sala. Nem preciso de explicar o novo jogo. Os mais desembaraçados já somaram dois mais dois e levantaram a mão. Surge, a várias vozes, uma bela história em que o lobo, ao bater à porta da avó, é surpreendido por um helicóptero da polícia de trânsito lá em cima… “Mas o que está aquele a fazer? O que quer?”, interrogam-se os agentes. E descem em voo picado, mesmo a tempo de pô-lo em fuga precisamente na direcção do caçador…

Poder-se-ia discutir o conteúdo ideológico da nova criação, mas não creio que seja caso disso. É mais precioso o que se põe em movimento. Tenho a certeza de que aquelas crianças, de quando em quando, pedirão que se volte a fazer o jogo do Capuchinho Vermelho com uma palavra nova: conhecerão o prazer de inventar.

Uma experiência de invenção é boa quando as crianças se divertem com ela, mesmo que, para se chegar a esse objectivo (a criança como objectivo), possamos infringir as regras da própria experiência.

(Rodari, Gramática...p. 75-77)

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