quinta-feira, julho 27, 2017

Aprender a ser alegre

Duble herma of Socrates and Seneca Antikensammlung Berlin 07.jpg
Dupla representação - Séneca e Sócrates. Imagem daqui

"Não penses que te escrevo para dizer como o inverno que, aliás, foi curto e pouco rigoroso, se portou bem conosco, ou como a primavera está desagradável, ou, como o frio chegou fora de tempo! 
Isso são frioleiras próprias de quem fala por falar. Eu só escrevo aquilo que sinto ter utilidade, que para ti quer para mim. Que outra coisa posso, portanto, fazer além de incitar-te à conquista de sabedoria?

Queres saber qual o fundamento de sabedoria? Não tirar satisfação de coisas vãs. Falei em fundamento: na realidade é o ponto culminante. Só atinge o ponto supremo quem sabe em que consiste a verdadeira satisfação, quem não deixa a sua felicidade ao arbítrio dos outros. Fica sempre angustiado e inseguro de si o homem que se deixa solicitar por toda e qualquer esperança, ainda que ao seu alcance, ainda que fácil de realizar, ainda que nunca esse homem tenha sido iludido nas suas expectativas. 
O que tens a fazer antes de mais, caro Lucílio, é aprender a ser alegre. Estás a pensar que eu te quero privar de muitos prazeres ao afastar de ti os bens fortuitos, ao entender que devemos subtrair-nos ao doce canto das sereias que é a esperança? Pelo contrário, o meu desejo é que nunca te falte a alegria. O meu desejo é que a alegria habite sempre em tua casa; e fá-lo-á, se começar a habitar dentro de ti. Os outros tipos de alegria não satisfazem a alma; desanuviam o rosto, mas são superficiais. A menos que entendas que estar alegre é estar a rir! Não, a alma deve estar desperta, confiante, acima das contingências. Acredita-me, a verdadeira alegria é uma coisa muito séria. 

Julgas tu que se pode pensar em desprezar a morte, em abrir as portas à pobreza, em refrear os prazeres, em exercitar a capacidade de suportar a dor – e tudo isto sem franzir a testa, sempre o com o rosto, como diriam os nossos jovens pretensiosos, descontraído? Quem interioriza estes pensamentos alcança uma grande alegria, mas de ar pouco sorridente! O meu desejo é que tu possuas uma alegria deste tipo. Quando algum dia souberes de que fonte emana essa alegria, nunca mais ela deixará de te acompanhar. 
Os filões dos metais ligeiros encontram-se à superfície, mas os metais mais preciosos são aqueles cujos veios se encontram mais fundo e que, por isso mesmo, compensam muito mais quem os explora. Os prazeres com que o vulgo se deleita são ligeiros e superficiais, toda a alegria de importação carece de fundamento. A alegria de que estou falando e à qual me esforço por fazer-te aceder, essa é de natureza constante, e tanto mais dilatada, quanto mais íntima. Peço-te, Lucílio amigo, age da única maneira possível para obteres a felicidade, repele e despreza aqueles bens que só brilham por fora, que dependem das promessas de fulano ou das benesses de cicrano. Faz do verdadeiro bem o teu alvo, busca a alegria dentro de ti. (...)"

(c. 4 AC – 65 DC)
Cartas a Lucílio.

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