Maria de Sousa, 2014
Abel Salazar foi médico, investigador, professor, pintor. Figura ilustre que dá nome ao instituto onde leccionou. No livro Meu Dito Meu Escrito chama-lhe “o grande desarrumador”. Quem é que a desarrumou a si?Aonde?
Na cabeça. No projecto de vida.
Jorge da Silva Horta, professor de Anatomia Patológica. O modo como ele ensinava. Fazíamos leitura de relatórios de autópsia, e, ao mesmo tempo, sabíamos a opinião que os clínicos tinham desses pacientes em vida. Grandes e famosos clínicos. Viam o doente, achavam que o doente tinha uma coisa, depois fazia-se a autópsia e não era nada daquilo. Os resultados da autópsia eram uma forma extraordinária de aprender que, de facto, não se sabe. O que me vai impressionar sempre é o que não se sabe. Foi a primeira desarrumação.Depois, quem desarrumou mesmo, foi um homem chamado David Ferreira, que era de um grupo que ia constituir o IGC (Instituto Gulbenkian Ciência). Recrutaram alunos de Medicina para fazer investigação, muito cedo.
Cita amiúde Garcia de Orta. É dele “a primeira grande obra de investigação médica portuguesa publicada na segunda metade do século XVI”, diz no livro. Judeu, destacou-se também na botânica e farmacologia, morreu em Goa. O que cita dele: “O que sabemos é a mais pequena parte do que ignoramos”.
Ouça, século XVI! Como é possível que haja quem não saiba quem ele é? Pessoas civilizadíssimas. Os chauffeurs de táxi dizem: “Deve ter sido importante, porque há um hospital com o nome dele, uma rua, uma escola”.
Outra constante: as histórias de criança que conta. Como se esse imaginário infantil e esse espanto – expressão que usa muito – fosse um reduto a que está sempre pronta a regressar.
Não é um reduto. Está a falar com uma cientista. Se um cientista perde essa capacidade de se espantar, de se fascinar... Não sei onde está a criança em si... Já morreu?
Maria de Sousa - Anabela Mota Ribeiro
Sem comentários:
Enviar um comentário