segunda-feira, setembro 29, 2014

Essencial para a coragem: compreender



Na célebre entrevista que concedeu a Günter Gaus (1964), Hannah Arendt afirmou que o mais importante para si era compreender, referindo-se mesmo a uma “necessidade” de compreensão. Arendt definiu esse tipo de compreensão especial que o pensamento político exige, e que reclamou de si mesma, afirmando que só a imaginação torna possível ver as coisas segundo uma perspetiva própria, sem distorções ou preconceitos. Assim,  a compreensão é interminável e, por isso, não pode chegar a resultados finais; constitui “o modo distintivamente humano de viver”, porque cada pessoa singular necessita de se reconciliar com um mundo no qual nasceu estrangeira. A compreensão, como define Arendt, “é criadora de sentido, de um sentido que produzimos no próprio processo de viver”4. 
Ora, a necessidade de compreender o mundo no presente, procurando uma reconciliação com o passado e projetando a promessa do futuro, coloca a faculdade de julgar no centro do inquérito sobre as condições de possibilidade da ação. Este é o horizonte ético-político das modalidades da compreensão e do juízo que se traduzem numa experiência muito particular da vida activa, a experiência da política. No pensamento arendtiano, compreensão e juízo integram o relato da vivência da pluralidade. A compreensão está também intimamente ligada ao senso comum, que é o sentido político por excelência e pressupõe a existência de um mundo partilhado onde, de facto, estão outros.
Hannah Arendt propõe-nos pensar a política enquanto o desejo da revelação involuntária, a vontade das alegrias inerentes à ação, como as de aparecer no discurso e no agir em conjunto. Se a compreensão, esse modo particular de refletir a partir do qual reconhecemos a realidade, é o que nos permite ser contemporâneos do mundo que habitamos, é pela exposição pública que nos tornamos atores nesse mesmo mundo. 
Agir é, portanto, correr o “risco da vida pública”5 e é o poder da promessa que nos torna capazes do comprometimento. A coragem é, por conseguinte, a primeira virtude política, tanto num sentido aristotélico como homérico. Distinguindo-se da informação adequada e do conhecimento científico, e também do perdão, que é “uma ação singular que termina num ato singular”, a ação de compreender é definida por Arendt como sendo, na verdade, um processo complexo, uma atividade incessante que nunca chegará a resultados unívocos, embora constitua uma fonte de sentido e unidade no tempo essenciais para o reconhecimento da realidade e a reconciliação com o mundo.

O poder da compreensão em Hannah Arendt | (Sofia Roque) Esquerda

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