Porque educar é abrir caminhos (...)
é nossa obrigação ir à procura de uma esperança, de uma esperança de primeira. (...)
É tempo de dizer não.
António Nóvoa ontem no Congresso da Fenprof, Lisboa
O efeito na educação pública das mais novas medidas de austeridade ontem anunciadas pelo Primeiro Ministro de Portugal é fácil de antecipar, e é grave. Demasiado grave.
Vai ser preciso vencer o medo: do desemprego, do "inevitável", do isolamento de que nos querem convencer sempre.
Vai ser preciso ser firme e claro na denúncia da realidade, contra a manipulação da "versão oficial e mediática":
- 40 horas de trabalho semanal registadas no horário são mais 5 pagas pelo mesmo salário, ou menos ainda, rompendo contratos e acordos, ou seja, roubando os trabalhadores a favor do empregador; se fosse o inverso (os docentes quererem o mesmo salário por 30 horas semanais) que diria o ministro?
- 40 horas de trabalho semanal registadas no horário são menos postos de trabalho, logo, mais gente sem emprego - de imediato (contratados sem vaga), ou a curto ou médio prazo - pela aplicação das regras da mobilidade também em alteração unilateral e permanente; a última versão mediática são 18 meses com 1/3 do salário e depois rua, sem nada, desconhecendo-se até se se aplicará o direito ao subsídio de desemprego depois dessa data
- há quem pense que mantendo-se o horário letivo atualmente definido por professor, e que nunca foi a totalidade do horário de trabalho (35 h=25 h letivas semanais no JI e 1º ciclo, 22 nos restantes ciclos) o número de lugares de professor se mantém, mas é evidente que esta disposição de alargamento do horário semanal terá implicações nas horas reservadas a algumas tarefas e funções consideradas equiparadas a letivas (diretor de turma, por exemplo), e consequências nas necessidades de pessoal para as cumprir; quanto mais passividade houver perante este anúncio, mais à vontade se sentirá o empregador para apertar com as orientações anuais sobre horários, turmas, cargos e organização do ano letivo que vem - e é um ano de cada vez...
- há quem, não trabalhando nem nas escolas nem nos serviços públicos, se deixe embalar em vózinhas de massa folhada recheadas a inveja que nos paralisam desviando o olhar das grandes diferenças (somos um dos países com maiores desigualdades de rendimentos pessoais da Europa, muito poucos muito ricos e muitos muito pobres) para as diferenças pontuais, e muitas vezes mitificadas - se a função pública tem sempre o emprego garantido, e os "privados" não, como ficaram sem emprego milhares de professores nos últimos anos, na escola pública, e há tantos milhares de trabalhadores na mesma empresa privada há décadas? Ah, depende das empresas? Pois é, lá se vai a certeza universal...
- 40 horas de trabalho semanal registadas no horário poderão ser muitas mais de vida mais dedicadas à escola e aos alunos, caso se mantenha o horário "de trabalho autónomo" fora do estabelecimento (leia-se em casa, ou "dia livre" assim impropriamente designado em discurso oral corrente) para tarefas que são efetivamente indispensáveis à função docente, incluindo preparação e avaliação de práticas letivas (aulas e outras) e não letivas; se não se mantiver esta "mancha de flexibilidade", que também cobre as soluções mais extravagantes e diversas para reuniões obrigatórias sem remuneração extra nem contabilização de horas absorvidas, por exemplo, terão de ser garantidas nas escolas condições para todo o trabalho ser realizado no seu interior, durante o horário de abertura dos estabelecimentos
- aos sindicatos cabe neste momento uma responsabilidade histórica imensa, mas isso não dispensa cada um de agir e influenciar como puder o curso das medidas agira anunciadas, em tom de ameaça de "palavra final", como é costume e próprio do tom a que nos habituaram muitos governantes recentes, inseguros q. b. para nem se disporem a negociar
- o mal que entretanto já foi feito à ideia que cada professor tem de si e da profissão é imenso, e o estrago que isso faz na qualidade do trabalho com os alunos ninguém o mediu, nem consta que o GAVE tenha exames para isso;
- as crianças e jovens são os mais prejudicados, sobretudo os das famílias com mais dificuldades económicas e culturais, e alertar para tal é uma responsabilidade cívica, que atravessa toda a sociedade.
Sou professora, e sou cidadã. Bibliotecária, e profissional da educação, da cultura e do conhecimento. Faço parte de um país quase milenar, que ainda existe. Lutei e luto pela democracia para todos, em todos os países, e no meu também. Em todos os palcos que puder. O caso é demasiado grave para dar confiança a cautelas tecno-burocratas do tipo "não compete aqui tratar disso", "é noutro local", "não é o momento certo", etc e tal. Por mim, por respeito próprio e brio, por gratidão aos que antes de mim lutaram contra outros "inevitáveis" que também se davam bem com ideias destas, e lutando possibilitaram o alargamento e a qualificação da Escola Pública nos séculos XX e XXI. Filhos e netos, meus e de outros, também merecem o respeito de lutar por eles.
Por isso tenho de reagir e combater este vento de insanidade e de afronta à escola pública nas também à República, enquanto organização de cidadãos livres e por isso iguais no acesso aos meios de cultura e conhecimento. Porque o "possível" começa sempre por ser impossível, secundo António Nóvoa na defesa da Ética, da Pedagogia, da Democracia, ou seja, da Escola Pública de qualidade, e para todos, essa que não existe em lado nenhum sem valorização dos professores.
Não haverá recuo, não voltaremos atrás.
1 comentário:
Uma ideia de ação direta...
40h/5=8h/dia, 5 dias por semana, com 1,5 h para almoço, horário tipo 9.00-18.30. Sem "autonomia de trabalho" fora da escola, nem para ler um livro nem para cumprimentar um aluno que se encontra por acaso na rua, nem para preparar aulas ou projetos, corrigir provas, reunir e combinar, relatar e preencher papeladas e aplicações excelianas... Greve de zelo se ria uma ideia; e quem se ralará? A palavra aluno um dia destes substitui-se pela palavra examinando, que o que conta é o exame o exame o exame, se possível com vexame, e certificado pelas alturas GAVEanas. Preciso será arranjar força entre os professores e não docentes (ameaçados tanto, ainda mais, que os docentes), que o terror do desemprego paralisa os corações que pouco sentem a solidariedade, nem por brio nem por raciocínio. E capacidade de envolver todas as famílias que ainda não emigraram. Aguardemos o resultado do congresso da Fenprof de ontem e hoje...
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