terça-feira, maio 03, 2011

Pedro Tamen, Poeta Maior

(a pretexto de mais um prémio)


NOÉ

Pronto, pronto, eu faço. Dá um trabalhão 
mas faço. Corto madeira, arranjo pregos, 
gasto o martelo. E o pior também: 
correr o mundo a recolher os bichos, 
coisas de nada como formigas magras, 
e os outros, os grandes, os que mordem 
e rugem. E sei lá quantos são! 
Em que assados me pões. Tu 
gastaste seis dias, e eu nunca mais acabo. 
Andar por esse mundo, a pé enxuto ainda, 
a escolher os melhores, os de melhor saúde, 
que o mundo que tu queres não há-de nascer torto. 
Um por um, e por uma, é claro, é aos pares 
- o espaço que isso ocupa. 

Mas não é ser carpinteiro, 
não é ser caminheiro, 
não é ser marinheiro o que mais me inquieta. 
Nem é poder esquecer 
a pulga, o ornitorrinco. 
O que mais me inquieta, Senhor,
é não ter a certeza,
ou mais ter a certeza de não valer a pena,
é partir já vencido para outro mundo igual. 


(Analogia e Dedos, 2006)



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