Os passos a que ando, um atrás do outro, como as letras em carreirinha, do fim para o princípio.
domingo, junho 19, 2005
E ao terceiro dia consegui voltar a lê-lo
Agora é Verão, eu sei.
Tempo de facas, tempo
em que as cobras perdem os anéis
à míngua de água.
Tempo em que se morre
de tanto olhar os barcos.
É no Verão, repito.
Estás sentada no terraço
e para ti correm todos os meus rios.
Entraste pelos espelhos:
mal respiras.
Vê-se bem que já não sabes respirar,
que terás de aprender com as abelhas.
Sobre os gerânios
te debruças lentamente.
Com rumor de água
sonâmbula ou de arbusto decepado
dás-me de beber
um tempo assim ardente.
Poisas as mãos sobre o meu rosto,
e vais partir,
sem nada me dizer,
pois só quiseste despertar em mim
a vocação do fogo ou do orvalho.
E devagar, sem te voltares,
pelos espelhos entras na noite acesa.
Tempo em que se morre, de Eugénio de Andrade
transcrito da pag. 65 de Antologia breve seguida de Palavra ao Silêncio, com prefácio de Óscar Lopes, editada no Porto pela saudosa Inova, em 1972, o nº 13 da colecção (maravilhosa) Duas horas de leitura
Há livros de que não nos conseguimos apartar.
Nunca mais deixei de perder os anéis nas luas quentes do meu país, e de em cada espelho sentir os passos de quem não se voltou.
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