Os passos a que ando, um atrás do outro, como as letras em carreirinha, do fim para o princípio.
quinta-feira, junho 30, 2005
Prenda de anos (2) para o Mal
domingo, junho 19, 2005
Geremos
- Mia Couto, em Pensatempos
E ao terceiro dia consegui voltar a lê-lo
Agora é Verão, eu sei.
Tempo de facas, tempo
em que as cobras perdem os anéis
à míngua de água.
Tempo em que se morre
de tanto olhar os barcos.
É no Verão, repito.
Estás sentada no terraço
e para ti correm todos os meus rios.
Entraste pelos espelhos:
mal respiras.
Vê-se bem que já não sabes respirar,
que terás de aprender com as abelhas.
Sobre os gerânios
te debruças lentamente.
Com rumor de água
sonâmbula ou de arbusto decepado
dás-me de beber
um tempo assim ardente.
Poisas as mãos sobre o meu rosto,
e vais partir,
sem nada me dizer,
pois só quiseste despertar em mim
a vocação do fogo ou do orvalho.
E devagar, sem te voltares,
pelos espelhos entras na noite acesa.
Tempo em que se morre, de Eugénio de Andrade
transcrito da pag. 65 de Antologia breve seguida de Palavra ao Silêncio, com prefácio de Óscar Lopes, editada no Porto pela saudosa Inova, em 1972, o nº 13 da colecção (maravilhosa) Duas horas de leitura
Há livros de que não nos conseguimos apartar.
Nunca mais deixei de perder os anéis nas luas quentes do meu país, e de em cada espelho sentir os passos de quem não se voltou.
Baixinho
Eu não senti nada na morte de Cunhal. O dirigente histórico, o partido, morreram para mim há muito tempo. Quando os comunistas reconheceram os crimes do estalinismo Kundera disse-lhes que não bastava que se arrependessem, era preciso que, como Édipo, vazassem os olhos e fossem para o deserto. Ora os comunistas portugueses mostraram sempre uma total insensibilidade à natureza criminosa do estalinismo e das suas manifestações. Sempre prontos a perdoar, em nome da dureza da luta de classes, sempre mansos para a tentativa de reabilitação histórica do herói da segunda guerra. Sempre confundindo firmeza ideológica com catecismo.
Mas, na morte de Cunhal, ouvi o grito das multidões nas ruas. Dizia, aos senhores deste mundo, que outro mundo é possível. Aos homens do cálculo que a Sophia detestava, aos que traçam a régua e esquadro a nossa vida, sempre prontos a salvar a economia e a nação, a interpretar a história, a explicar a racionalidade da opressão, a soprar aos desempregados e aos excluídos que devem ter paciência, a insinuar que a desigualdade é merecida e está inscrita na nossa inferioridade genética. O grito da rua irritou os comentadores inteligentes que há anos se apoderaram das colunas de opinião da imprensa, da rádio e da televisão e construíram a nossa ignorância. O mundo tem-lhes corrido de feição. Derrotaram os inimigos, uns broeiros, aliás, quase todos incultos, incapazes, carentes de argumentos e fluência. Estavam tão satisfeitos, lá de onde se via o fim da história. E de repente aquele rumor. Parecia o PREC contado às criancinhas. Havia muitos velhos, eu sei. Mas no presente, no futuro, vai haver muitos velhos. Talvez não tenham dado conta. Há muitos velhos em casas, lares, em quartos. À espreita. Há aldeias quase só de velhos, e nos pinhais ardidos, velhos habitam casas como barcos. Quando as ruas das cidades dormitório se esvaziam, os velhos tomam conta das crianças pequeninas e contam-lhes, baixinho, uma história ainda secreta.
Transcrevo do Mal
Sei que para muitas crianças os sussurros ao adormecer surgem do seu coração, e não de gerações anteriores, interditas no cruel e urbaníssimo quotidiano que as transfere de infantário para escola de casa sem pai ou sem mãe, ou só com um adulto. Para outras, a própria rua desapareceu, e entre portas brincam dentro de automóveis e carrinhas, espaços de sonhar ou sofrer como eram os passeios, as travessas, os becos, os quintais e os campos dos anos sessenta.
Mais valor têm ainda as histórias secretas que conseguem capturar, melhor ainda se directas em fala corrente e quente de carinhos e tremor de voz.
A comoção não se decreta, e poucos a dominam.
Na memória das crianças fica o único futuro possível. Nas pontes que com elas se fazem o derradeiro dicionário do entendimento. A ler baixinho, claro...
sábado, junho 04, 2005
ETC Teixeira Coelho, conheces?
quinta-feira, junho 02, 2005
Da minha terra vê-se a língua, ouve-se o mar
Foto retirada de espaço público da Câmara Municipal
Sentei-me à beira do Tejo
A ouvir a gente falar
Da terra, dizemos Campo
Ao rio, chamamos Mar
Pôr a Língua de Fora é Booooooom!
Prémio Príncipe de Astúrias da Cooperação Internacional
Simone VeilPrémio Príncipe de Astúrias da Comunicação e Humanidades
Alliance Française
Società "Dante Alighieri"
British Council
Goethe Institut
Instituto Cervantes
Instituto Camões
Apesar das críticas justas a fazer a cada um dos Institutos, é de aplaudir o Prémio conjunto a quem cuida de promover Língua e Cultura para lá das fronteiras políticas, e a opção por incluir 6 línguas diferentes, pelo menos. Curiosidade: como trata cada um destes Institutos os idiomas minoritários/regionais e os crioulos/variantes?
Já agora, esta é uma alegria Simonetta
Língua à vista
Uma língua é o lugar donde se vê o Mundo e em que se traçam os limites do nosso pensar e sentir. Da minha língua vê-se o mar. Da minha língua ouve-se o seu rumor, como da de outros se ouvirá o da floresta ou o silêncio do deserto. Por isso a voz do mar foi a da nossa inquietação.
quarta-feira, junho 01, 2005
Bi-empréstimo sobre os indexes
publica uma lista dos 10 livros mais perigosos dos séc. XIX e XX. Sendo a revista conservadora e americana, não é de estranhar encontrar Nietzche, Marx, Keynes (10º) e Darwin entre os terríveis autores. Dewey, o da Educação e Democracia, tam bém não escapa. Reparem no fundamento:
"In Democracy and Education, in pompous and opaque prose, he disparaged schooling that focused on traditional character development and endowing children with hard knowledge, and encouraged the teaching of thinking “skills” instead."
Thinking skills: capacidade de pensamento crítico, terrível doença que hoje mata tanto como o cancro, a sida, a fome... Que seria de nós sem estas luminárias? Que vai ser feito de nós com Poder nas mãos de leitores de tal calibre?
O link no título do "horroroso" panfleto revela no entanto uma outra face - remete para a Amazon, que vende ainda hoje o livro...
Mais um índice de livros perigosos para os bons costumes, nos inigualáveis EUA
Notícia no Bicho carpinteiro, comentário aguçado no Barnabé
Porque será que há tanta gente piedosa que quer velar pelo entendimento alheio, sem confiar minimamente na capacidade de cada um ler e criticar?
Ladrões de Bicicletas: A tirania do mérito
Ladrões de Bicicletas: A tirania do mérito : « Quem alcançou o topo, passou a acreditar que o sucesso foi um feito seu, uma medida do seu ...
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PORTUGAL (de Jorge Sousa Braga, 1981) Portugal Eu tenho vinte e dois anos e tu às vezes fazes-me sentir como se tivesse oitocentos Que ...
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Senhores, sou mulher de trabalho, e falo com poucas maneiras, porque as maneiras, são como a luva que calça o ladrão. Ás vezes, eu ponho-me...
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CANTIGA PARA QUEM SONHA Tu que tens dez reis de esperança e de amor grita bem alto que queres viver. Compra pão e vinho, mas rouba uma fl...