POEMA DO AMOR FÓSSIL
Quem de nós falará aos homens que hão de vir
quando o grande clarão encher de luz
e pasmo as nossas bocas?
E como?
Que língua entenderão eles?
Que símbolos, que sinais, que apagados murmúrios,
lhes falarão de nós,
desta fluida e versátil multidão,
destes seres que aparentam rosto humano
e como tal comovem
mas que olhados do alto são lepra do planeta.
Que significará sofrer, amar, lutar,
quando as nossas misérias e tormentos
não forem mais do que pégadas fósseis?
Que palavras há-de o poeta reservar
para o coração de plástico dos homens que hão-de vir?
Que santo e senha entenderão?
Que de nós restará neles?
Que parecenças terão com estes hominídeos
que amaram a Natureza porque lhes era hostil
e suportaram o próximo porque não eram livres?
Que verbo deverá ficar gravado na pedra que o vento não
corroa,
que lhes fale dos humilhados e dos ofendidos,
dos sonhadores e dos impotentes,
dos ansiosos, dos bêbados e dos ladrões,
desta ridícula, miserável e corrupta humanidade
que instala os arraiais da morte alegremente
num campo que foi verde e que não volta a sê-lo?
Amor?
Como será amor em língua cibernética?
António Gedeão
Poemas escolhidos : antologia organizada pelo
autor. Lisboa : João Sá da Costa, 2010, p. 90
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