terça-feira, fevereiro 28, 2017

Levar a sério o linguista, pela fala que toda a gente reinventa

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Sobre o Falso Neutro e a nossa língua, esta carta do João Veloso merece atenção e reflexão.




A imposição legal e política de determinadas palavras, formas e regras gramaticais em detrimento de outras terminantemente proibidas, como um fenómeno totalitárioé um exclusivo da ficção orwelliana e do seu malfadado Newspeak, praticamente impossível no universo mais livre das línguas naturais.




Desdramatizar esta questão, separando claramente aquilo que é uma propriedade formal das línguas de uma interpretação antropológica pouco fundamentada de um traço gramatical, parece-me ser o melhor caminho, para já, para desencalharmos este problema (que é, quanto a mim, um falso problema).


(...)

Dizem que os anjos não têm sexo e que discuti-lo é perder tempo com verbo inútil e desperdiçada razão. A gramática, assim sendo, é angelical também: ela não tem sexo e por isso defendo que discutir o sexo da gramática é como discutir o sexo dos anjos. Género, desafortunadamente chamado como tal até aos nossos dias, tem-no sem dúvida, mas de forma largamente independente dessa propriedade biológica e cultural.
Não culpem a gramática da dominação masculina do mundo, que é um problema social e cultural inegável. Não confundam a gramática com a linguagem e com o poder fascizante que certos usos da linguagem podem ter. Mas, já agora, lembremo-nos também do uso libertador, revolucionário, criativo e criador que a linguagem, edificada sobre a gramática, também torna possíveis.
E através da linguagem e desses usos libertadores que dela podemos fazer concentremo-nos num mundo mais razoável e mais racional, menos discriminatório, mais pacífico e mais igual. Concentremo-nos naquilo com que se constrói a paz e a liberdade, em que a língua, a palavra e a gramática não são ameaças: são sim portas e veredas para o diálogo, para o pensamento livre e esclarecido sem o qual não há o mundo sem desigualdades, sem opressões e sem discriminações que é o mundo que eu também quero.
João Veloso

Portugal, 2017 
 

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