quinta-feira, junho 23, 2016

Manuel Gusmão: a alegria partilhável da resistência – Caliban

 gusmao

Acha que é possível passar dessa ordem puramente estética como aquela que diz respeito à poesia e às artes em geral para a ordem política. Acha que há essa possibilidade de efectivar essa beleza da chama na ordem política?Acho. Acho decisivamente que é uma das possibilidades da redenção das nossas coisas, dos nossos casos de vida, vidas perturbadas, onde reside sempre a possibilidade de em algum sítio e algum lugar viver algo que é para nós um acontecimento e a promessa de uma alegria comunicável e partilhável. A possibilidade da estética tem a ver, ou pode ter a ver com uma disponibilidade ética.
(...)

Acha ainda possível, urgente, necessário, que a arte surja como função de libertação? Ou só ela não chega?MG: terá de ser a arte a encontrar aquilo que quer fazer com os seus materiais e instrumentos. E se ela vier encontrar-se com a política ela deverá configurar o seu espaço, uma espécie de protocolo, de terreno, para o seu encontro com a política, porque ela não se pode entregar pura e simplesmente nas mãos da política e dar à política o comando. Porque neste sentido encontramos mais uma vez, pela enésima vez, uma forma de a política colonizar a poesia ou de a política colonizar a poética. A poética é um termo que para mim me é mais simpático que o termo de estética. Porque a poética recoloca no centro de qualquer fenómeno artístico e de qualquer relação com a arte a questão do fazer. A poética é um produzir, um estudo da poiesis, e, a poesis já introduz artes e portanto podemos falar da poesis de qualquer arte sem trazer nada de exterior à arte, enquanto que, quando falamos da estética, tentamos confrontar o mundo da arte com o mundo em que vivemos, o mundo onde a arte é. Esse confronto pode não nos trazer muita coisa de bom porque substitui a descrição daquilo que as artes fazem por valores de comparação entre a figura artística e a figura do mundo e isso é aquilo que significa, por um lado, aparentemente, a necessidade de ver que a arte tem sempre a ver com o mundo mas não implica, não garante, que o que o que a arte ganha do mundo seja dito pela arte tal qual, e, portanto, é preferível escutar a arte no que ela diz enquanto arte e aí confiarmos que ela tem uma palavra sobre o mundo.


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