sábado, junho 11, 2011

Zahir


O Zahir   
(...) 
Antes de 1948, o destino de Julia talvez já me tenha atingido. Terão de alimentar-me e vestir-me, não saberei se é tarde ou manhã, não saberei quem foi Borges. Qualificar de terrível esse futuro é uma falácia, já que nenhuma das suas circunstâncias terá significado para mim. O mesmo valeria sustentar que é terrível a dor de um anestesiado a quem abrem o crânio. Já não perceberei o universo, perceberei o Zahir. 
Segundo a doutrina idealista, os verbos viver e sonhar são rigorosamente sinônimos; de milhares de aparências, passarei a uma; de um sonho muito complexo a um sonho muito simples. Outros sonharão que estou louco, e eu com o Zahir. Quando todos os homens da terra pensarem, dia e noite, no Zahir, qual será um sonho e qual uma realidade, a terra ou o Zahir? Nas horas desertas da noite ainda posso caminhar pelas ruas. A aurora costuma surpreender-me num banco da praça  Garay, pensando (procurando pensar) naquela passagem do Asrar Nama, na qual se diz que o Zahir é a sombra da Rosa e a rasgadura do Véu. Vinculo essa opinião a esta notícia: para perder-se em Deus, os sufis repetem seu próprio nome ou os noventa e nove nomes divinos até que eles já nada querem dizer. Eu desejo percorrer esse caminho. Talvez acabe por gas­tar o Zahir à força de pensar e repensar nele; talvez, por detrás da moeda, esteja Deus. 
Jorge Luís Borges
Texto integral aqui 

Segundo a tradição islâmica, o Zahir é algo ou alguém que acaba por dominar completamente o pensamento, sem que se possa esquecê-lo em momento algum.

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