domingo, fevereiro 11, 2007

Assis Pacheco I

MONÓLOGO E EXPLICAÇÃO

Mas não puxei atrás a culatra,

não limpei o óleo do cano,

dizem que a guerra mata: a minha

desfez-me logo à chegada.


Não houve pois cercos, balas

que demovessem este forçado.

Viram-no à mesa com grandes livros,

com grandes copos, grandes mãos aterradas.


Viram-no mijar à noite nas tábuas

ou nas poucas ervas meio rapadas.

Olhar os morros, como se entendesse

o seu torpor de terra plácida.


Folheando uns papeis que sobraram

lembra-se agora de haver muito frio.

Dizem que a guerra passa: esta minha

passou-me para os ossos e não sai.



Fernando Assis Pacheco.

Homem de jornais e histórias, poeta.
Galego da estirpe mais rara, a da ironia. Gente da mais pura água. Ou da mais pura névoa, cinza como as manhãs frias bordando ribeiras em Coimbra e fragas por Fisterra. Carne e osso, mais aquela que este.
Qualquer coisa de nós todos, do verbo raro de Bocage, palavras letra a letra marteladas com um dedo só, na máquina de escrever.
Palavras mágicas quando as contava, sons de encantar, sempre com um fio verde amargo indistinto a grão de lucidez. A propósito, aposto que odiava homenagens e tudo o que é chato, evangélico e previsível. Ou seja, falso.
Dele vão falar na Casa Fernando Pessoa, nas próximas quintas-feiras. Os amigos, claro, e os que depois vieram. Nos livros, do Walt à poesia, das crónicas espalhadas pelos arquivos dos jornais e pela rádio. Pai de filhas, mais, e filho, um. Ventania, brisa, ar que por aí anda à espera que o respiremos.
Coisa ruim no-lo levou, Novembro adiante, há uns tempos atrás, junto à livraria. Ainda livre, para sempre livro.
Outras ruindades o tinham ferido por dentro, muito antes.

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