sexta-feira, fevereiro 18, 2005

Passar das horas, segredo de ler

A INFÂNCIA

Era uma nebulosa
com seus silêncios
percorrendo todos os espaços
da memória

Ou talvez uma anémona
ainda brilhando devagar
num manto de cor
no fundo do mar

No céu cantavam milhafres
entre a alegria e o medo
vasculhando a noite com o poder
das suas asas
em busca de alimento

Mas eram sobretudo o vento
as papoilas vermelhas no monte
e os vinhedos do vale
o gosto da cana-de-açucar
mastigada às escondidas
e os livros de aventuras
os mistérios que o tempo nos trazia

Havia quem dissesse
como era boa esta infância

Nós só procurávamos a sombra
debaixo das latadas
para acompanharmos as viagens
de Ulisses ou do Príncipe Valente
e deixar passar as horas
até chegar outro dia

José António Gonçalves
(inédito.17.02.05)

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