domingo, setembro 24, 2017

Elogio da edição revolucionária : Orfeu Negro, Judith Butler, 2017



Há editoras que nos cabem no coração, e, ao mesmo tempo, o ampliam. É o caso da Orfeu Negro, um caminho arrojado a produzir desde 2007,  pela audácia dos temas e o primor na linguagem e na edição de cada título. Sou fan, tanto da linha "para estudiosos" como da maravilhosa colecção Orfeu Mini, encetada em 2008, para miúdos e graúdos, e da inquietadora Casimiro.

Ontem, lançou mais um ensaio, para estudiosos, algo hermético mas nem por isso menos significativo para o homem e a mulher comuns. Trata-se do livro de Judith Butler, Problemas de género, numa bela tradução em português de Nuno Quintas, com a colaboração de João Manuel Oliveira e João Berham.

Quando não são assim tão cuidadosamente publicados, traduzidos e preparados para a leitura e a fruição de muitos mais leitores, os livros correm o risco de serem muito citados mas pouco lidos. E de citação e citação, se tornam banais e, mesmo, incompreensíveis.


Em português, e por mão da Orfeu Negro, há menos perigo de tal continuar a acontecer com esta obra, no centro do debate sobre o género e o feminismo na atualidade. Coisas que, se forem bem discutidas, podem ajudar a viver melhor muita gente, por ajudarem a compreender o que são as pessoas, e o que somos, para além das palavras que usamos, e pelo efeito que as palavras têm no modo como nos pensamos.

As ideias de Butler já tinham sido introduzidas em Portugal na tese de doutoramento da investigadora Conceição Nogueira ( 1997, Universidade do Minho). Terá sido desde 1991 na dança contemporânea – com Vera Mantero, Francisco Camacho, Carlota Lagido, Miguel Pereira, João Fiadeiro – que se “notaram os primeiros efeitos” de “Problemas de Género”.


"Definir identidades tem um problema: as identidades são pequenas demais para nos descreverem e ao descreverem-nos estão a produzir o sujeito que querem descrever”, entende João Manuel de Oliveira. “Descrever é já produzir um determinado sujeito. Quando se diz a uma menina que ela é muito feminina, está-se a construir, e a constranger, o que a menina vai ser. Não é apenas este discurso que contribui para isso, há outras estruturas sociais que o fazem. A ideia de ‘gay’, para a maioria das pessoas, incluindo muitos homossexuais, aponta para uma certa pertença a uma classe social, uma certa inserção racial, um certo capital económico. Mas há muitos gays que não são isso e, eventualmente, a palavra não esgota a possibilidade de serem outras coisas ao mesmo tempo. A Butler demonstra isso a partir da categoria ‘mulher’. Ele desconstrói a ideia de mulher, vem dizer que se trata de uma construção do discurso. Discurso não são apenas as palavras, são as instituições, desde logo o Estado, que geram representações.”
Notícia sobre o lançamento, 23.09.2017, Lisboa, aqui
Catálogo da Orfeu Negro:


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